Pequenas empresas do comércio são as mais afetadas pela crise - e têm recuperação lenta
Estudo realizado pela FGV mostra que pequenos empresários têm a confiança mais baixa; são os que menos conseguiram recuperar a demanda desde o início da crise e encontram dificuldades de acesso ao crédito.
Por Luiz Guilherme Gerbelli, G1
As pequenas empresas do comércio são as que mais sofreram com a crise provocada pela pandemia de coronavírus. E o pior: o ritmo de recuperação tem sido fraco.
Os dados estão em um estudo inédito realizado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e têm como base a pesquisa da sondagem do comércio realizada mensalmente pela instituição.
O levantamento mostra o seguinte em relação ao empresário de pequeno porte:
- O índice de confiança é o mais baixo;
- A recuperação da demanda é a mais fraca desde o início da crise;
- Há mais relatos de dificuldade para conseguir crédito;
- Quase 40% deles esperam a normalização da economia só em 2021.
A dificuldade apontada pela pesquisa indica mais um entrave para a recuperação econômica do país. As pequenas empresas são responsáveis por 54% dos empregos com carteira assinada e respondem por 27% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
Pela pesquisa realizada pelo Ibre, a confiança dos pequenos empresários ainda segue num patamar bastante ruim e não deu mostras de uma retomada mais robusta.
Em junho, o índice de confiança dos pequenos empresários marcou 58 pontos, enquanto a dos grandes estava em 80,6 pontos.
Desde abril, quando foi possível capturar todos os efeitos da crise provocada pela pandemia de coronavírus, as grandes empresas do comércio perderam 58,8 pontos de confiança e já recuperaram 36,1 pontos. As pequenas registraram uma queda de 69,5 pontos no período e recuperaram 37,3 pontos.
"O fundo do poço é maior para as pequenas empresas e elas têm tido mais dificuldade para sair dele", afirma o economista do Ibre/FGV e responsável pelo levantamento, Rodolpho Tobler.
O quadro de dificuldade das pequenas também fica evidente quando se analisa o comportamento da demanda para cada grupo de empresas. Em março, o indicador que apura esse quesito na pesquisa do Ibre estava em 94,4 pontos para as pequenas. Em junho, marcou apenas 48,6 pontos. No mesmo período, a demanda das grandes empresas passou de 91,7 pontos para 88,7 pontos.
"O patamar de antes da pandemia já não era tão forte. E, mesmo assim, não está sendo fácil para as pequenas empresas retornar para esse patamar", diz Tobler. O indicador do volume de demanda vai de 0 a 200 pontos – a marca de 100 pontos indica um nível normal de atividade.
O pequeno empresário ainda tem sido prejudicado por ter menos acesso aos programas de crédito do governo.
Segundo o levantamento da FGV, das empresas que tentaram obter algum tipo de crédito, mas não conseguiram, 64,4% são de pequeno porte, 30,5% estão no grupo das companhias de médio porte e apenas 5,1% são de grande porte. "A falta de crédito continua sendo o principal problema para a retomada", diz o presidente do Sebrae, Carlos Melles.
Em maio, o governo criou o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe) e liberou linhas de crédito para pequenos negócios. Os empresários, no entanto, relatam dificuldades para ter acesso aos recursos. Na quinta-feira (16), o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que o governo pretende anunciar novas medidas para esse segmento.
As pequenas enfrentam esse quadro de maior dificuldade porque elas têm uma margem de manobra menor de atuação. Quando a pandemia se agravou no país e boa parte do comércio teve de baixar as portas, as grandes conseguiram transferir parte das suas operações para o e-commerce com alguma rapidez.
Em relação ao crédito, as companhias de menor porte lidam com uma burocracia maior. Nem todas, por exemplo, têm uma folha de pagamento atrelada a uma instituição financeira, o que dificulta um relacionamento com o banco para a tomada de recursos em momentos de necessidade.
"As grandes empresas têm uma estrutura melhor e mais preparada para enfrentar os tipos de problema que surgem", diz Tobler. "É o caso das vendas online. No início da pandemia, as grandes já estavam preparadas (para o e-commerce). As pequenas nem sempre estão prontas."
Da ampliação para a sobrevivência
Com lojas de acessórios femininos em dois shoppings de Goiânia, Goiás, a empresária Karla de Assis viu a sua fonte de renda ser bruscamente interrompida com o fechamento do comércio.
Pouco antes da crise sanitária se agravar, Karla conseguiu um crédito do governo de Goiás. O objetivo era ampliar o negócio com uma terceira loja ou com um quiosque num shopping. Mas, diante do agravamento da situação econômica com a pandemia, os recursos do empréstimo acabaram se tornando a única renda.
"Assim que veio a pandemia, nos primeiro 15 dias, 30 dias, eu fiquei preocupada. Eram poucos recursos para um custo operacional tão alto, como é ter uma loja num shopping", diz Karla. "O crédito que seria utilizado para o crescimento do meu negócio foi destinado para a sobrevivência dele."
Para o seu negócio não fechar durante a crise, Karla também teve de reduzir o seu quadro de funcionário de 6 para 3 vendedores e decidiu apostar nas vendas online. "Minha empresa não estava preparada para vender online, mas eu tinha uma presença nas redes sociais. Eu sempre fiz vídeos da loja, mostrei os produtos."
As vendas online demoraram para engrenar. O primeiro mês foi o pior, segundo a empresário. Mas hoje já representam 30% do faturamento que ela obtinha com a venda física. "Eu acho que foi uma vitória muito grande ter conseguido esse resultado com quase nada de ferramentas em mão."
Futuro de dificuldade
Na leitura dos pequenos empresários, o quadro de dificuldade não deve mudar tão cedo. O levantamento da FGV mostra que 38,8% dos empresários de pequeno porte esperam uma normalização da economia apenas em 2021. Essa relação é de 31% entre os empresários de médio porte e de 28,8% entre os de grande porte.
Hoje, somente 12,4% das empresas de pequeno porte dizem estar operando normalmente.